Fui enganada. Aquele “é um restaurante, mas não tão chique”
foi pura mentira. O restaurante era realmente muito caro. Pareciam àqueles
salões de baile do século passado, com grandes lustres com lâmpadas amarelo-opaco,
o chão não era chão, era revestido por um tapete fino indiano e na parte
externa do local, era uma madeira rústica e brilhante.
As mesas redondas com toalhas até o chão, taças finas,
muitos talheres, dois tipos de pratos. Cadeiras revestidas com capas rendadas.
O cheiro de canela e macadâmia no ar, o tipo de gente que estava ali. Tudo
parecia cenográfico. Talvez fosse um restaurante para os mais ricos de Los Angeles,
mas então porque estaríamos aqui? Pensei.
- Pronto. Vamos, a moça está vindo para nos mostrar nossa
mesa. – Stev pegou minha mão e eu me levantei do sofá de camurça.
- Por aqui, senhores. – Uma moça baixinha, pequenina,
ruivinha nos mostrou o caminho. – Quando o casal decidir o que querem, é só
chamar porque estarei ali no canto. – Falou com monotonia na voz, como se
falasse isso a cada casal ou pessoa que vem aqui. Sempre a mesma coisa. Ela nos
deixou um cardápio e andou até o canto em que disse que estaria.
O cardápio parecia ter sido feito de coro verdadeiro. E
dentro, letras douradas estavam sobre um papel bege claro.
- Esse lugar não é muito… caro? Ou chique? – Falei num tom
baixo.
- É. Mas não tem problema. Tenho uma notícia. – Parecia um
pouco mais sério agora. Será que vou ser
pedida em casamento, meu Deus?
- Pois fale. – Sorri e me ajeitei na cadeira, muito mais
confortável que as cadeiras de madeira da minha cozinha. Essas são acolchoadas.
- Fui promovido. Não sou mais só o contador, agora sou o supervisor-chefe
dos contadores da empresa toda. – Seu
semblante voltou a ficar sorridente.
- Que bom, meu amor! Parabéns. – O parabenizei pela
conquista, afinal, em empresas grandes demais é difícil ser um dos maiores.
- Obrigado, linda. Agora posso pagar esse restaurante, e
todos os outros. E eu quis vir comemorar aqui com você, porque esse é um dos
melhores restaurantes da cidade e tal. – Sorriu. Nossas mãos estavam juntas por
cima da mesa, os dois com o braço estendido.
- O que vamos pedir? – Perguntei.
- Não sei. Que tal o prato do chefe?
- Por mim tudo bem. – Ele acenou para a ruivinha, que
prontamente apareceu. Fez o pedido. Para beber, depois de discutirmos,
decidimos champanhe, já que era uma comemoração.
Lea e Stefan ficaram em casa. Nenhum deles havia acordado,
mas eu deixei um bilhete sobre o balcão avisando onde estávamos e o que iríamos
fazer. Possivelmente alguém acordaria, não existe alguém com tanto sono assim
para poder dormir tarde e noite sem dar uma acordada no meio dos turnos. Se bem
que do jeito que Lea é dorminhoca, nunca se sabe. E Stefan está doente, isso
quer dizer que está sem forças e o que melhor pode fazer é dormir.
Fiquei pensando neles dormindo, e ainda com essa música
clássica que toca aqui, me deu sono. Não esperamos muito até o prato chegar, na verdade foi até
rápido. O prato do chefe era simplesmente maravilhoso, um tipo de frango com
molho doce francês, caramelado, um verdadeiro manjar dos deuses. E falando em
manjar, foi a sobremesa. Estávamos a sua espera, do manjar, quando ouvi uma
risada um pouco conhecida.
Quem seria? Alguém do escritório? Não, não, acho que não.
Alguém do prédio ou que vi no elevador algum dia? Não, também não. Algum
conhecido? Rebusquei pela minha mente, onde ouvi essa risada. Alguém da
família, talvez? A tia Augusta? O tio Otto? Prima Benie? Ou a sobrinha da minha
mãe, Julie?
- Amor, aquele não é o famosinho? – Steven me desconcentrou
enquanto rebuscava a árvore genealógica da família. Não teria sido mais fácil
só olhar para trás, do que tentar adivinhar quem era? Claro que sim. Que
burrice a minha. Virei-me. E ali estava num majestoso traje de gala – mentira,
não era de gala, apenas um blazer e calça sociais pretas. Um chapéu marrom com
penugens do lado e um óculo escuro, um Ray-Ban provavelmente.
Para não variar, uma camisa com estampa de onça. Mocassins
pretos também. Estava rindo histericamente, e Phil ria ao seu lado gargalhando
também. Mas é claro que Bruno ri mais espalafateco, e mais alto. Na frente do
Phil, uma mulher morena e muito bonita. Aparência um pouco mais velha que
Bruno. E na frente do dito cujo, uma loira alta com os seios saltando do
vestido decotado. Todos na mesa estavam rindo.
- É ele sim. Ele e o amigo dele, o Phil. – Falei me virando
para frente novamente.
- E as mulheres? A morena parece ser alguma coisa do tal
Phil, porque os dois estão se olhando nesse exato minuto de mãos dadas. E os
dois tem uma aliança. Mas a loira… - parou de falar de repente – e que loira. – cochichou.
- Ei! – Dei uma tapa em sua mão.
- Ah, desculpa, desculpa. É que ela é bonita sabe, mas é
muito vulgar. Aqueles peitões estão dando olá
pra mim. E pro resto do restaurante. – Ele balançou a cabeça rapidamente. – Mas
é claro que eu não quero saber dela, nada. Só quero você. Olha, aquela mulher
está parecendo uma doida com um tomara que caia decotado assim, já você está
linda. Do jeito que está. Mostrando só pra quem merece, e não pra quem ver.
- Nesse caso, tudo bem. Ele é desse tipo mesmo, pega
qualquer uma. Precisava ver na casa dele, só gente desse tipo. A mãe dele devia
tomar umas providências. – Falei e ele riu.
- Mãe de gente famosa não os controla mais, eles são maiores
de idade e fazem tudo o que bem entendem com a porcaria do dinheiro deles. –
Ele deu de ombros.
- Vou ao banheiro enquanto a sobremesa não chega, okay? –
Falei me levantando.
- Claro, meu amor.
BRUNO’S POV
Embora fosse viajar essa noite, eu não poderia deixar de
jantar – ou algo mais, lógico, com a Adriane. Linda e loira daquele jeito não
seria certo desperdiçá-la. Então, a convidei para jantar. Phil também convidou
Urbana, talvez eles se acertem depois disso. Mas o que me interessava estava
bem à frente, num ótimo campo de visão, com o capô a mostra. Em certo momento,
ela começou a falar algumas coisas – que de tão pecaminosas, não me convém
falar aqui – que estavam me fazendo suar.
Ela riu ligeiramente venenosa. Tive que ir ao banheiro. Não sei pra quê, mas precisava jogar uma
água no rosto e deixar essas coisas pra mais tarde. Não poderia correr riscos
assim, não seria bom para meu papel na mídia. Pelo menos não tinha visto nenhum
paparazzi intrometido. Gosto desse restaurante basicamente porque 1) a comida é
ótima; 2) nunca está tão cheio para você desconfiar de cada um que te olha, ou querendo te roubar ou uma foto; 3) não é tão longe de casa; 4) os garçons não
falam para a minha acompanhante que ela é o visitante número mil da minha mesa;
5) tem discrição suficiente para tudo.
O problema dos banheiros daqui, é que são afastados demais
de todos, e ficam em grandes corredores. Se eu não estivesse acostumado, me
perderia facilmente.
Fui ao banheiro, fiz minhas necessidades, joguei uma água no
rosto, arrumei o cabelo. Hoje eu estava mesmo irresistível.
- Vai lá, Sex Dragon! – Disse para mim mesmo no espelho e
pisquei. Tão sexy.
Saí do banheiro com
as mãos nos bolsos, tentando parecer um pouco mais descontraído. Adriane ainda
não estava totalmente caída no meu papo, então eu tinha que parecer mais legal
ainda, mais divertido e confiante. Olhei no relógio. A noite ainda seria muito
produtiva. Continuei olhando o relógio, recordando algumas coisas.
Minha mãe que me deu esse relógio na páscoa desse ano,
quando ela ainda era viva. Contorci meu nariz algumas vezes. Como eu seria o
galã que pegaria Adriane se chegasse lá chorando pela mamãezinha? Que coisa
fútil. Que raiva por eu ter achado isso fútil. Que idiota eu sou. Por que isso
teve que acontecer com a minha mãe? Por que com uma avó com netos ainda
pequenos, que nem viu meus filhos, meus netos, ou até mesmo minha mulher? As
meninas, que estavam começando a carreira com o grupo The Lylas. Por que ela
teve que me deixar tão cedo? Fez um mês na semana passada que ela se foi.
A minha mãe. A mãe
das meninas, e do Eric. A nossa mãe. Por quê? Por que Deus quis nos castigar
dessa forma? Tirando minha mãe? Ah, merda, eu estava quase chorando naquele
corredor. Podem falar que é coisa de mulherzinha ficar chorando pela mãe, mas é
claro que eu choro. Quase sempre que paro para pensar nela. A essa altura,
minha noite não estava tão bem assim. Lembrar da minha mãe é sempre recordar a
dor. Não que minha mãe seja a dor, mas isso dói.
Tudo isso é tão difícil. Por mais que me apoiem, ninguém
sabe o que eu passo. Acham que o cara da granada, ou dos macaquinhos, ou do amor
como gorilas, acha que ele aguenta tudo e está sempre sorrindo. Acham que ele é
sempre forte, e quando enfraquece recebe ajuda dos amigos e tudo se resolve. É
claro que a morte da minha mãe nunca irá se resolver, eu não posso ir buscá-la.
Algum tempo depois dela… ir, eu pensei em ir junto. Cancelar a turnê, cancelar
os shows, cancelar as batidas do meu coração. Mas é claro que eu não fiz isso.
Minhas fãs, por mais que eu não estivesse vendo nem ouvindo, eu lia no Twitter
o que a maioria falava. Meus amigos, minha família, todos ajudaram bastante.
Mas nada adianta. Só quem me ajudaria, é minha mãe. Eu olhei
para o lado, e não havia ninguém em lugar algum. Não quero que me vejam assim.
Escorado na parede, com os olhos avermelhando. Acho que hoje não vou mais sair
com Adriane. Essa dor, sempre que eu faço renascê-la, acaba com o meu dia (ou
noite). Então é isso, não vou mais usá-la essa noite. Amanhã tenho show, e não
quero me atrasar. Minha mãe não gostaria que eu me atrasasse, só por uma
oferecida loira e bonita.
Enxuguei meu olho mais uma vez. Encostei minha cabeça para
trás, com os olhos fechados. A qualquer minuto alguém chega e eu dou alguma
desculpa e saio, mas não quero sair agora por livre e espontânea vontade. Quero
ficar sozinho.
- Bruno? – Uma voz
doce. Doce. Mãe. – Bruno? – Não, não
é a minha mãe. Talvez ela mais nova, quem sabe? Isso! Minha mãe mais nova, só
pode ser. Eu estava sonhando? Será que dormi?
- Mãe? –
Cochichei. Estava tudo escuro, eu só ouvia essa voz me chamando.
- Ei. Ei! – Meus olhos se abriram. – É a Luna. O que
aconteceu com você? – Ela olhou para mim. Aqueles olhos verdes e profundos. Mas
eu não conseguia enxergar direito, minha visão estava embaçada. Eu geralmente
não choro, odeio embaçar minha visão.
- Nada. – Me levantei.
- Ei, pode falar. Bruno… Bruno, você tá chorando? – Ela
segurou meu ombro com uma mão e olhou nos meus olhos.
- Chorando? Eu? Claro que não. Que idiotice. – Limpei os
olhos rapidamente e tirei meu ombro de sua
mão, com certa rispidez.
- Não? Okay. Mas acho que tem um pouco de olhos nas suas
lágrimas. – Falou irônica. Deu uma grande vontade de xingá-la.
- Tá bom então, sabe tudo! Eu estava chorando, e daí? Sua
mãe está enterrada a pés do chão? Ela está morta? Ela morreu de uma hora para a
outra? Faz menos de dois meses que sua mãe não fala com você? Acho que não. –
Saí andando, ouvi um barulho de salto-alto atrás de mim. Merda de corredor
comprido.
- Sua mãe… morreu? Desculpe, eu não sabia. Eu achei que ela
ainda era viva. E minha mãe não está enterrada, graças a Deus. – Respondeu
ainda segurando meu braço.
- E graças ao bom Deus, a minha está! Ironia, não? – Virei à
cara.
- Eu só queria ajudar, tá bom.
- Sai daqui. – Sua anta baleada! Por que você falou isso pra
ela? – Por favor. – Consegui acrescentar no fim.
- Olha, cara, se você não quer conversar ou nada, é só
falar. Não precisa ser grosso. Tá bom, já tô indo embora. Pode chorar sozinho
aí, não quis incomodar. – Ela estava atrás de mim. Passou pelo meu lado, me
olhou com aqueles olhos verdes falando “você foi um grosso”, e andou o resto do
corredor. Só vi sua sombra afastando no fim do corredor.
Voltei ao banheiro e lavei o rosto novamente, meus olhos
estavam pequenos (coisa rara) e vermelhos. Logo Phil apareceria, o que não é
nada bom. Me recompus e voltei a mesa. Foi aí que observei que Luna estava logo
a frente, com um cara. Um cara grande e alto até sentado, com cabelos castanhos
e pele branca. Feio pra danar.
- Onde você tava, cara? Achei que você tinha se perdido. –
Phil cochichou pra mim, enquanto Urbana falava algo com Adriane.
- Já falei que no banheiro. Preciso dar um fim nessa mulher,
como faço isso? – Apontei com a cabeça para Adriane.
- Ai, mano, eu ainda te mato. – bufou – Urbana, por que você
não vai com o Bruno para casa enquanto eu levo a Adriane? Já estamos indo,
depois te encontro lá. – falou em voz alta – Depois você e o Bruno se encontram,
Adriane, é que é arriscado ele sair daqui com você, e todo mundo já conhece a
Urbana.
Ela concordou. Se não fosse Phil, não sei o que seria dos
meus encontros indesejáveis. Paguei a conta e saí com Urbana.
LUANA’S POV
Achei Bruno no corredor, chorando ainda por cima. Ele disse
que é por sua mãe, que morreu. Eu nem sabia disso. Steven já havia terminado
sua sobremesa, e ficou um pouco emburrado por eu não estar ali para comer com
ele. Peguei minha sobremesa e fui me sentando. Quando sentei, ele pediu perdão
por ter ficado emburrado e fez uma declaração para mim, sempre me chamando de
"meu anjo" e "meu amor" ou "princesa", é claro, e
me entregou uma caixinha preta e quadrada. Eu imaginei que fosse alguma jóia, e
estava certa.
Uma linda correntinha de ouro, fina e brilhante. Reluzente,
na verdade. E um pingente de esmeralda, do tamanho de uma azeitona redonda,
mais verde que as árvores na primavera. Ele disse que era para combinar com
meus olhos, e que quando fossemos a alguma festa formal, ele queria ver o colar
em meu pescoço. Me deu um selinho breve e foi pagar a conta. Fiquei ali olhando
para aquela pedra, que deveria ter sido muito
cara.
Depois, fomos para casa. Os dois estavam com sono, e eu mais
que ele. Lea estava acordada e nos contou que Stefan não acordara e que ela não
comeu nada, só tomou um refrigerante da geladeira. Quando tentei descobrir o
porquê deles estarem abraçadinhos, ela desconversou e foi para casa.
Me troquei, tirei a maquiagem, e deitei. Steven fez a mesma
coisa, estávamos cansados. Mas mesmo assim, antes de dormir, pensei no cabeludo
sem mãe. Ele parecia realmente sofrer com aquilo de ficar sem mãe, é claro,
estava chorando de verdade. Dormi com aqueles olhos vermelhos na mente.